Um Programa Fora de Foco, um Barco sem Rumo


Caros leitores,

Resolvi escrever essas palavras para demonstrar mais uma vez a minha preocupação com o rumo (em minha modesta opinião), que esta sendo dado ao programa governamental de maior relevância para o futuro de nosso país na área de ciência tecnologia (apesar de não ser visto dessa forma). O Programa Espacial Brasileiro (PEB) desde a sua criação no inicio dos anos 60 tinha como principal objetivo o domínio da tecnologia de mísseis pela Aeronáutica.

Com o passar do tempo esses objetivos foram se ampliando muito provavelmente por conta da necessidade de se buscar mais recursos financeiros e, portanto a necessidade de se criar objetivos civis que justificassem o uso desses recursos. Com isso, no final da década de 80 surgiu à idéia da criação da MECB (Missão Espacial Completa Brasileira) que consistia basicamente no desenvolvimento num prazo de 9 anos do Veículo Lançador de Satélites (VLS), de quatro satélites para serem lançados pelo VLS, sendo dois SCD (satélite de Coleta de Dados) e dois SSR (Satélite de Sensoriamento Remoto) e finalmente fechando o pacote a construção de uma nova base (já que o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno não atendia condições para a realização da missão) que atendesse as condições necessárias para operação desse novo foguete. Tratava-se da construção do já muito comentado pela mídia Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) que se encontra operacional desde 21 de fevereiro de 1990, quando lá foi realizada a sua primeira campanha de lançamento com um foguete SONDA II, que ficou conhecida como “Operação Alcântara”.

A MECB foi estabelecida no inicio dos anos 80 pelo governo, mas só começou a ser desenvolvida de fato a partir de 1984 e de lá para cá vários empecilhos impediram o desenvolvimento de um de seus objetivos que era o VLS. Dentre esses empecilhos (em minha opinião) estão à má administração do programa, a falta de apoio político, os embargos tecnológicos de outros países, a falta de foco, a falta de planejamento adequado e evidente de recursos financeiros condizentes com um programa dessa envergadura.

Apesar desses problemas a parte da MECB que cabia ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) foi cumprida em parte com o desenvolvimento do SCD-1 (lançado em 1993 e operacional até hoje), o SCD-2 (lançado em 1998 e operacional até hoje) ambos lançados por um foguete “Pégasus” americano e o SCD-2A que foi destruído no primeiro vôo de qualificação do VLS-1 (Operação Brasil) em 1997. No entanto, os satélites de sensoriamento remoto (SSR) previsto na MECB jamais foram concluídos e posteriormente como o fim da missão e com a criação da Agencia Espacial Brasileira em 1994, foram abandonados definitivamente.

Há de se dizer que nesse período da MECB o INPE desenvolveu varias tecnologias para aplicação em satélites tendo um grande avanço nessa área. Com a criação da AEB foi desenvolvido um outro programa de satélites chamado SACI (Satélite de Aplicações Cientificas) que geraram dois satélites (um foi lançado de carona com o CBERS-1 em outubro 1999, porem não funcionou e o segundo foi destruído no segundo vôo de qualificação do VLS em dezembro de 1999 – Operação Almenara) e um satélite tecnológico chamado SATEC-1, que explodiu ainda na plataforma de lançamento junto com o satélite UNOSAT (primeiro satélite (nanosatélite) universitário brasileiro) em 22 de agosto de 2003 (Operação São Luís), ceifando a vida de 21 técnicos brasileiros no maior acidente com perdas de vidas da história das atividades espaciais humanas.

Desde o acidente e até antes do mesmo, vários acordos tecnológicos relevantes com outros países foram assinados (alemães, russos) na área de foguetes, que em alguns casos trouxeram algum avanço para o PEB. Com os alemães foram desenvolvidas tecnologias que possibilitaram o desenvolvimento do foguete VS-30/Orion (basicamente um foguete VS-30 nacional como seu primeiro estágio e um foguete Orion de origem americana como seu segundo estágio) e do foguete VSB-30, o carro chefe desse acordo até o momento e de grande sucesso na Europa, onde esta sendo usado pela DLR/ESA no Programa Europeu de Microgravidade (PEM). Outras iniciativas na área de foguetes estão sendo negociadas com a DLR alemã para o uso do VS-40 e para o desenvolvimento do foguete VS-43 visando a utilização de ambos pelo experimento europeu SHEFEX 2 e 3 nos próximos anos. No entanto, com essas idas e vindas do nosso cambaleante programa espacial esses novos foguetes estão ainda no campo da esperança, pois nada ou quase nada que se planeja no PEB segue uma coordenação bem planejada e com a determinação necessária para sua realização, pelo menos assim tem sido o histórico do programa.

Já com relação ao acordo com os russos (o motivo maior no momento de minha preocupação) que em minha opinião seria essencial para que nos próximos anos o Brasil alcançasse finalmente à tecnologia de desenvolvimento e fabricação de motores a propulsão liquida capazes de atender as nossas necessidades, infelizmente parece tomar um rumo que todo barco sem rumo toma, ou seja, pra lugar nenhum. Esse acordo previa basicamente a reavaliação por parte de uma empresa russa do projeto do VLS-1 (concluído) apontando os melhoramentos necessários para o mesmo, a implantação de um banco de provas para motores-foguetes a propulsão líquida de até 20 kN de empuxo (já concluído), a implantação de um outro banco de provas para motores-foguetes a propulsão líquida de até 400 kN de empuxo (estava aguardando a homologação por parte do Congresso Brasileiro do acordo de Salvaguardas Tecnológicas entre o Brasil e a Rússia, acordo esse que já foi homologado, veja aqui no blog Acordo Brasil-Rússia Publicado no Diário Oficial da União) e finalmente estudos iniciais visando a participação de empresas russas no desenvolvimento conjunto do incerto e bem improvável Programa de Lançadores de Satélites Cruzeiro do Sul.

Acontece que após ter lido a matéria publicada no site da revista “Tecnologia e Defesa” (veja aqui no blog a nota Lançadores Espaciais: Os Planos do IAE/CTA) escrita pelo competente companheiro jornalista André Mileski, confesso ao leitor que estou muito preocupado, pois com relação ao motor L75 (derivado do motor russo RD 0109) já abordado aqui no blog (veja as notas Motor a Propulsão Líquida L-75 do IAE, Motor L75 do IAE - Notícias, Motor L75 - Notícias,) que já estava em desenvolvimento, inclusive com partes já contratadas e em fabricação pela industria nacional, o senhor Paulo Moraes Jr (o entrevistado da matéria) coloca claramente para o Mileski que esse projeto esta sendo reconsiderado. Se assim for, mais uma vez um órgão do Programa Espacial Brasileiro demonstra a sua falta de foco e o desperdício dos recursos públicos empregados até o momento nesse projeto, tão necessário para o desenvolvimento de um lançador com maior capacidade de carga, como seria o VLS-1B (híbrido).

Além disso, nas ultimas semanas outro fator muito preocupante vem tomando forma pela mídia através de declarações sutis e em algumas vezes nem tanto assim por parte de políticos e pelo diretor-geral da parte brasileira da Alcântara Cyclone Space (ACS), o senhor Roberto Amaral.

No caso do senhor Roberto Amaral, conhecido por suas declarações polêmicas desde a época que era Ministro da Ciência e Tecnologia, a sua a posição de que o PEB governamental deve ser substituído pelo acordo com os ucranianos já foi manifestada de forma clara ou sutilmente em diversas ocasiões através da mídia, mesmo que ambos programas tenham objetivos distintos. Não poderia ser diferente em sua ultima entrevista (dessa vez sutilmente) dada ao jornal “A Tribuna Online” (veja aqui no blog Amaral Confirma Vôo do Cyclone 4 em 2010) do dia 09/08 quando mesmo diz sutilmente: "Fizemos três lançamentos, em 30 anos, que não deram certo. É hora de superar o passado".

Além disso, e mais preocupante ainda é um discurso do deputado Ribamar Alves (PSB-MA) pronunciado na tribuna da Câmara Federal dia 12/08 quando o mesmo diz: “Voltando à atuação da Alcântara Cyclone Space, explico às Sras. Deputadas e aos Srs. Deputados, que a empresa é, simplesmente, o principal produto do Programa Espacial Brasileiro. Sabe quem decidiu isso? Ninguém menos que o Presidente Lula. Quando? Na reunião da qual participou o Dr. Roberto Amaral, Diretor-Geral da empresa binacional Alcântara Cyclone Space”. Sinceramente é preocupante essa visão do deputado, já demonstrada pelo Roberto Amaral e agora (pelo que parece) também pelo presidente Lula. Não há duvida para o IAE e para todos nós que somos amantes do tema que o principal programa do PEB é o VLS e que a Alcântara Cyclone Space é apenas o apêndice comercial do programa espacial e não seu carro chefe. Vamos aguardar os acontecimentos, pois o temor de que o programa do VLS esteja começando a ser fritado pelo governo parece ser algo real e muito preocupante.

A falta de foco e a existência dos problemas já aqui colocados por mim na condução do PEB, tem resultado em prejuízos incalculáveis para o programa espacial, que só ficarão mais visíveis para a Sociedade Brasileira a médio e longo prazo, quando a comunidade internacional estiver totalmente integrada com a necessidade diária de acesso ao espaço. Fora o acidente com o VLS em 2003 que resultou na perda de 21 vidas representativas de técnicos ligados ao programa do foguete lançador, a expulsão do Brasil do programa da ISS além do fato de ter transformado o país em motivo de chacota internacional, realmente representou um desastre para o PEB (devido à má condução do acordo com a NASA por parte da AEB), tanto a nível científico e tecnológico quanto político e fazendo com que a comunidade científica brasileira perdesse o acesso a uma plataforma de experimento fantástica. Mais uma demonstração da falta de seriedade e de gente preparada para conduzir um programa de tal relevância para nossa sociedade.

Poderia ficar aqui horas citando diversos programas apresentados a comunidade científica brasileira durante todos esses anos pelos órgãos que compõem o PEB, onde foram gastos recursos públicos sem qualquer retorno, por simples falta de planejamento adequado, seriedade, objetividade e pela falta de foco, mas seria uma lista grande e desnecessária, pois acredito que os leitores já tenham conhecimento sobre esses projetos.

Apesar desse problema ocorrido com o Programa da ISS, separo a viagem do astronauta Marcos Pontes de tudo isso, pois a meu ver foi um investimento para chamar a atenção da sociedade brasileira, visando divulgar o PEB e em médio prazo buscar mais apoio para o programa, ou seja, uma jogada política.

No entanto, apesar de ter alcançado algum resultado (principalmente entre os jovens fazendo com que o Programa AEB Escola decola-se na época) eu acho que poderia ter sido feito de uma outra forma e caso a AEB tivesse cumprido o acordo não teria sido necessário se gastar 10 milhões de dólares a mais.

Caros leitores, somos mestres na arte da propaganda (meu conterrâneo Nizan Guanaes que o diga) e a AEB apesar de ter mais de um ano para programar a viagem do astronauta e sua divulgação (após a assinatura do contrato) não soube conduzir a contento o evento. É claro que se já tivéssemos a AEB TV com canal aberto para todo país teria ajudado muito, mas não foi o que aconteceu e toda divulgação ficou meio frouxa na mão dos canais de TV. Se o programa fosse conduzido desde o inicio com planejamento adequado em todos os níveis, não teríamos gastos os 10 milhões, não teríamos sido expulsos do programa, teríamos agregado e haveríamos de agregar ainda mais conhecimentos científicos e tecnológicos, a comunidade científica não teria perdido essa plataforma de experimentos fantástica que é a ISS e a AEB TV seria uma realidade possibilitando com que o conhecimento sobre as atividades espaciais no Brasil e no Mundo participa-se cada vez mais do dia-a-dia do brasileiro.

Quanto à visão acadêmica que segundo alguns engenheiros aeronáuticos reina dentro do programa espacial, acredito que os mesmos tenham alguma razão, mas quando me refiro a incompetência e aos outros problemas já abordados, não me refiro ao engenheiro, ao técnico, pois esses fazem o que podem dentro do que lhe é permitido. Refiro-me leitor a falta de comando, de visão, de planejamento, de metas estabelecidas, de objetividade no que se faz, coisas que cabem aos ministros e presidentes das instituições que comandam o programa espacial. São eles que sempre dão à palavra final dizendo o que fazer e o que se esquecer, muitas vezes por decisão política em detrimento do real valor científico e tecnológico.

Se você contrata um engenheiro, um técnico, um cientista, dando condições de trabalho aos mesmos e conduzindo-os aos objetivos a serem alcançados, com metas e prazos bem definidos e suporte financeiro adequado, o sucesso será alcançado, não tenho duvida disso. O problema é que isso não é feito, falta foco, falta verba, falta seriedade e com isso é natural que os profissionais comecem a perder a confiança no que eles estão fazendo e conseqüentemente procurem outros objetivos.

É desanimador leitor, observar o PEB nessa situação por falta de uma administração condizente com os seus objetivos e ainda mais revoltante em perceber que pela sua bi-polaridade essa tarefa torna-se facilitada e mesmo assim essa gente não consegue (ou não querem) realizar um bom trabalho. Lamentável.

Duda Falcão

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