Pesquisas dos Laboratórios Associados se Concentram no Desenvolvimento de Tecnologias Críticas Aplicadas às Atividades Espaciais

Olá leitor!

Segue abaixo uma interessantíssima matéria publicada no número 07 do Informativo do INPE de 31/08, destacando que pesquisas dos Laboratórios Associados se concentram no desenvolvimento de Tecnologias Críticas aplicadas às Atividades Espaciais. A matéria é longa mais vale a pena ler com atenção.

Duda Falcão

Pesquisas dos Laboratórios Associados se
Concentram no Desenvolvimento de
Tecnologias Críticas Aplicadas
às Atividades Espaciais

Informativo INPE
Número 07
31/08/2016

Coordenador da CTE, Edson Del Bosco.

Durante o processo de discussão do novo Plano Diretor, a Coordenação dos Laboratórios Associados (CTE), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), decidiu modificar a inserção da pesquisa e desenvolvimento (P&D) de seus quatro laboratórios associados no planejamento do período de 2016 a 2019. Ao invés de vincular as metas às missões de satélites, como no passado, optou-se por enfatizar de forma genérica o desenvolvimento de tecnologias críticas voltadas às atividades espaciais. Com isso, foram estabelecidas metas que representavam melhor a diversidade das pesquisas e desenvolvimentos de seus quatro laboratórios: sensores e materiais, plasma, combustão e propulsão e computação e matemática aplicada.

Para o coordenador da CTE, Edson Del Bosco - entrevistado desta edição do INPE Informa para a série de matérias sobre o Plano Diretor - foi um erro ter definido, nos planos diretores e plurianuais anteriores, metas associadas de modo muito restrito aos programas de satélite do INPE. Del Bosco explica que as atividades de alguns pesquisadores ficaram totalmente atreladas e "amarradas" aos cronogramas de satélites, que em geral costumam atrasar. Se por um lado o cumprimento das metas não ocorria no prazo estipulado, pois dependia da evolução de outras atividades e de liberação de recursos, por outro, a CTE desenvolvia tecnologias e inovações que não tiveram visibilidade.

Nesta entrevista, Del Bosco destaca ainda a grande capacidade dos pesquisadores e tecnologistas da CTE de obter aprovação em projetos submetidos às agências de fomento, o que tem quase dobrado o orçamento da área nos últimos anos. Quando recursos de infraestrutura da FINEP são liberados para projetos como o PROPSAT (para ampliação e modernização dos bancos de teste do Laboratório de Combustão e Propulsão – LCP), o total liberado pelas agências acaba superando o montante de recursos da União, com a vantagem de se ter maior facilidade de execução desses recursos, destaca Del Bosco.

Por outro lado, o coordenador dos Laboratórios Associados chama atenção para a queda do número de artigos publicados nos últimos anos, ainda alto, mas que já reflete a diminuição do número de servidores da área, que se aposentam sem haver uma reposição adequada. Confira ainda, nesta entrevista, as mudanças previstas para as pesquisas em fusão nuclear, do Projeto Tokamak, e o envolvimento da CTE na missão ASTER, em parceria com os russos.

Coordenador da CTE, Edson Del Bosco, destaca a diversidade
das pesquisas dos laboratórios associados.

Como a Coordenação dos Laboratórios Associados (CTE) está inserida no Plano Diretor? As pesquisas estão muito espalhadas entre os Objetivos Estratégicos do Plano?

Edson Del Bosco – As atividades de pesquisa e desenvolvimento da CTE estão mais concentradas no Objetivo Estratégico 2, que foca no desenvolvimento de tecnologias críticas, processos e instrumentação para a área espacial. Inclusive, para esse Plano Diretor, que vai entrar em vigor, procuramos deixar as tecnologias críticas um pouco mais específicas e bem caracterizadas. São tecnologias críticas para a área espacial que o INPE e o país precisam dominar, relacionadas com a nossa área de competência técnica. As atividades envolvem tanto a CTE como a Coordenação de Engenharia e Tecnologia Espaciais (ETE), que são independentes em algumas atividades e dependentes em outras.

Em nossas áreas de competência (plasma, materiais e sensores, combustão e propulsão e computação e matemática aplicada), semelhante à situação da CEA (Coordenação de Ciências Espaciais e Atmosféricas), o nosso forte é a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico. Como consequência, temos um número bastante elevado de publicações por ano, em um universo de cerca de 90 servidores (a maioria, pesquisadores e tecnologistas).

Seguindo orientações de Direções do INPE anteriores focamos nossas atividades de pesquisa e desenvolvimento na área espacial. Mais recentemente, nesse período de elaboração do Plano Diretor, discutiu-se muito internamente qual seria o foco da CTE, inclusive se devíamos propor ou não um satélite para exercer a nossa competência, nossa experiência, e chegamos à conclusão de que não seria conveniente. Seria, muito provavelmente, apenas mais uma proposta de satélite de tantas que o INPE concebe sob forte risco de não sair do papel.

“ É importante termos
grupos de pesquisa
trabalhando em áreas
finalísticas que possam
responder às demandas
institucionais quando
necessário. ”

Decidimos continuar com a pesquisa e desenvolvimento, só que agora com mais pesquisadores e grupos de pesquisa direcionados para a área espacial. É importante termos grupos de pesquisa trabalhando em áreas finalísticas que possam responder às demandas institucionais quando necessário. Por exemplo, em plasma, tentamos desenvolver propulsão iônica para controle de atitude de satélites, ou seja, pesquisa de plasma direcionada para a aplicação espacial.

Outro exemplo pontual, a câmara MUX do CBERS-4 estava com problema de travamento no sistema de abertura. O equipamento tem que voar protegido. Depois que entra em órbita, a câmara se abre, mas nos testes o mecanismo de abertura não estava abrindo. Foi feito então um tratamento com implantação de íons de nitrogênio neste mecanismo de abertura da câmara, que funcionou. Essa solução foi desenvolvida aqui na CTE por um grupo que há anos faz pesquisa em tratamento de superfície com implantação de íons. Esse grupo atua desenvolvendo projetos que possam ter uma ou mais aplicações imediatas. São pesquisas e desenvolvimentos de tecnologias críticas dedicadas ao setor espacial. Esse é o mote da existência da CTE.

Implantação de íons em superfície por imersão em plasmas aplicado ao
sistema de abertura da câmara MUX, do CBERS-4.

Outro exemplo de aplicação, desenvolvida por um grupo de pesquisa do Laboratório de Sensores e Materiais. LAS, está relacionado com o crescimento de filmes de diamante. Essa pesquisa tem muitas aplicações e já propiciou, inclusive o surgimento de uma indústria na região. Uma aplicação imediata é a utilização desses filmes em superfícies metálicas com a finalidade de atuarem como lubrificantes sólidos e que podem ser utilizados em peças móveis de um satélite. O satélite em órbita não pode fazer uso de lubrificante líquido. Nesse caso, é aplicada uma camada de filme de diamante que, em certas condições, deixa a superfície bastante lisa, o que é feito com tecnologia desenvolvida aqui no INPE. Essa tecnologia está sendo utilizada na PMM (Plataforma Multimissão) do INPE. Várias peças da PMM, testadas aqui, foram feitas com essa tecnologia. Aqui foram feitos os desenvolvimentos e os primeiros testes dessas peças. Depois, o processo é transferido ao setor privado que tem mais capacidade de escalonamento industrial.

Peças da PMM desenvolvidas com tecnologia de filme de diamante.

Outro exemplo, é a propulsão química e elétrica para controle de atitude de satélite, tecnologia e conhecimento desenvolvidos por outro laboratório – o Laboratório de Combustão e Propulsão (LCP), localizado no INPE de Cachoeira Paulista. Este laboratório também faz testes para empresas, como a Fibraforte, que tem contrato com a Engenharia (ETE) do INPE para desenvolver os propulsores da PMM. Os testes são feitos nos bancos de testes do LCP.

Banco de Testes de Simulação de Altitude (BTSA), do LCP/INPE,
em Cachoeira Paulista  onde foi testado e  qualificado
o propulsor da PMM do Satélite Amazonia-1.
Propulsor da PMM do  Satélite Amazônia 1,
testado nas  instalações do LCP/INPE.

Há também um grupo no Laboratório de Plasmas que está desenvolvendo um equipamento, o ELISA, que vai compor a instrumentação cientifica do Satélite EQUARS, coordenado pela CEA (Coordenação de Ciências Espaciais e Atmosféricas). O ELISA é um dos quatro ou cinco equipamentos que vão voar nesse satélite. No entanto, vem ocorrendo uma série de modificações nesse programa que vai provocando atrasos no cronograma do satélite. Isso cria uma certa frustação no pessoal, embora faça parte do andamento dos programas espaciais.

- E a computação e matemática aplicada também tem alguma atividade aplicada a área espacial?

Edson De Bosco – Tem, mas gostaria que tivesse mais. Trabalhei nisso, conversei com o Amauri Montes, coordenador da Engenharia (ETE), assim que assumi a coordenação da CTE. A ideia foi bem aceita.

O LAC (Laboratório de Computação e Matemática Aplicada) tem um grupo de engenharia de software, de garantia e robustez de software, técnicas que deixam um aplicativo computacional bastante confiável. A Engenharia (ETE) desenvolve o software de sistema de controle de satélites, comprou o último da Argentina, mas também desenvolve. O objetivo é ter essa competência aqui no Brasil, no INPE. O pessoal do LAC poderia ajudar muito nessa tarefa, não no desenvolvimento de software de controle de atitude em si, que tem engenheiros da ETE para isso, mas o grupo do LAC poderia ajudar para garantir a robustez do software, para que seja confiável.

Temos, também, uma interação direta e profícua com o EMBRACE, programa de estudo e monitoramento do clima espacial da CEA, no qual um grupo do Laboratório de Computação e Matemática Aplicada, LAC, desenvolveu e continua desenvolvendo alguns softwares. O LAC também interage muito com grupos do CPTEC (Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos) e do CCST (Centro de Ciência do Sistema Terrestre), que desenvolvem modelos, softwares que representam fenômenos meteorológicos e ambientais.

Total Electron Content" - TEC (Brasil/América Sul),
desenvolvido pelo LAC para o monitoramento
de Clima Espacial, da CEA.

Novamente, não podemos perder essa outra característica do nosso grupo, que é a 'diversidade'. Não é como, por exemplo, a Engenharia (ETE), que tem como missão desenvolver e entregar o CBERS 4, uma meta assumida, por exemplo, para os próximos quatro anos, e que já é um volume enorme de trabalho. Não temos e não podemos ter uma meta para desenvolver uma única coisa. Fazemos muita pesquisa e desenvolvimento, em diferentes áreas, e a todo momento surge uma aplicação para a área espacial. Essa perspectiva ficou bem caracterizada agora no novo PPA (Plano Plurianual 2016-2019), que entra em vigor esse ano.

No antigo PPA, erroneamente, a CTE tentou especificar 4 ou 5 metas e ficamos quatro anos sendo cobrados por essas metas. O grupo é muito grande, tem cerca de 90 servidores (a maioria pesquisadores e tecnologistas) e não podíamos nos limitar àquelas metas do PPA. Algumas coisas nós fizemos e outras, não.

- Quais eram essas quatro metas estabelecidas no PPA anterior?

Edson Del Bosco - Por exemplo, nos propomos a desenvolver totalmente a propulsão iônica para voo e especificar para voo um propulsor de alguns milinewtons de empuxo. Outra meta era desenvolver todo sistema de lubrificação sólida, que foi cumprida; um sistema de microgiroscópio, micro fabricados, que não conseguimos cumprir porque o laboratório não ficou pronto, não havia pessoal e fomos muito cobrados. Tínhamos também outra meta referente à propulsão química que fomos cobrados ao longo desses quatro anos.

“ Das nossas pesquisas e desenvolvimentos
sempre surgem entre três e cinco tecnologias de
interesse à área espacial. Não exatamente
direcionado à área espacial, mas com vínculos e
afinidades.”

As cobranças se concentraram muito nessas metas enquanto havia outras atividades na CTE em desenvolvimento?

Edson Del Bosco – Exato. Fazíamos muito mais coisas, menores, mas também de interesse e que ficou sem visibilidade. Agora, nesse Plano Diretor e no novo PPA mudamos isso. Vamos desenvolver por ano entre três e quatro tecnologias, processos de instrumentação etc., voltados à área espacial e afins. Das nossas pesquisas e desenvolvimentos sempre surgem entre três e cinco tecnologias de interesse à área espacial. Não exatamente direcionado à área espacial, mas com vínculos e afinidades. Foi dessa forma que nos inserimos nestes dois planos, sem deixarmos de produzir cientificamente artigos e manter a formação de recursos humanos na nossa pós-graduação. Esse é o foco da CTE. Dar apoio à área de pesquisa e desenvolvimento em quatro áreas, que no passado foram escolhidas como estratégicas: plasma, sensores e materiais, hoje materiais mais especificamente, computação e propulsão.

- Porque "materiais mais especificamente"? E a área de sensores?

Edson Del Bosco - Porque não se desenvolve mais sensores como se desenvolvia no passado. No passado se pensava em desenvolver todos os sensores que o INPE pudesse eventualmente utilizar, sensores e células solares. No entanto, com o tempo se percebeu que não era trivial chegar até a fabricação de um sensor. Apesar de continuar atuando nessa área de sensores, o laboratório é mais voltado a novos materiais, a propriedades direcionadas para aplicações espaciais. A área de sensores ficou um pouco em segundo plano, embora ainda exista alguma atividade. São desenvolvidos, por exemplo, radiômetros no LAS (Laboratório de Sensores), mas hoje em dia é mais fácil comprá-los. Essas coisas mudaram muito com o passar do tempo.

Células solares, por exemplo. Para os primeiros satélites do INPE, os SCDs (Satélites de Coleta de Dados), foram desenvolvidas células solares aqui. Hoje não se faz mais. Tem um grupo de pesquisa que caracteriza as células solares, mas a evolução foi muito grande, ultrapassou os limites e nós não seguimos esse caminho.

“ Hoje as publicações
são da ordem de 180
por ano. É um número
que vem sofrendo uma
pequena queda nos
últimos anos, talvez já
refletindo uma queda do
quadro de servidores.”

E os indicadores da CTE - artigos publicados, patentes, entre outros? Como tem sido o desempenho da CTE?

Edson Del Bosco – Somos cobrados por isso pelo MCTIC (Ministério da Ciência, e Tecnologia e Comunicação) e pela AEB (Agência Espacial Brasileira), em especial pelos desenvolvimentos de tecnologias críticas. São tecnologias em geral, que podem ser um processo, uma técnica, um instrumento, que chamamos de tecnologias críticas, e que deve ter inovação.

Além disso nos comprometemos, como meta para o MCTIC, de termos artigos publicados em geral, não somente em periódicos indexados, com referee (avaliador), mas também artigos apresentados em congressos. Hoje as publicações são da ordem de 180 por ano. É um número que vem sofrendo uma pequena queda nos últimos anos, talvez já refletindo uma queda do quadro de servidores.

A diminuição do nosso quadro de pessoal, o envelhecimento do nosso pessoal, é fato. E isso reflete na queda de publicação da nossa área. Essa queda também ocorre na formação de recursos humanos. Já foi muito maior e começa a diminuir. Mesmo quando entram novos pesquisadores, é preciso dar um tempo até que comecem a produzir e publicar.

A CTE sempre teve a preocupação de discutir o foco de suas atividades, o papel a desempenhar, sua utilidade para o INPE. Para os próximos anos, temos expectativas de que se mude um pouco a visão sobre as nossas atividades como apoio e pesquisa à área espacial.


Também tínhamos como meta conseguir uma ou duas patentes. Mas a dificuldade de se colocar uma patente aqui no INPE, ou mesmo no Brasil - é muita burocracia, muita exigência – desestimula o pesquisador. Ao invés de buscar a patente, ele prefere publicar um artigo, ou decide não publicar, segura um pouco. Infelizmente o Brasil não tem essa cultura. É muita burocracia, muito tempo dedicado a isso, além de ter um custo relativamente elevado.

Se o projeto tem o financiamento da FAPESP, a agência paga a patente. Se a instituição tem que pagar, aí fica mais difícil. No passado tínhamos mais patentes do que hoje, apesar de ainda surgirem algumas patentes. Para alguns softwares desenvolvidos pelo LAC caberia algum tipo de patente, não privilégio, mas hoje não é solicitada por causa dessas dificuldades. Se regularizássemos essa situação de pedido de patentes, se tivéssemos uma infraestrutura, poderíamos ter mais patentes.

- O NIT (Núcleo de Inovação Tecnológica), do INPE, não ajuda nessa atividade?

Edson Del Bosco – Ajuda bastante e continua ajudando, algumas patentes tem saído por lá, mas, infelizmente, é muito complicado. É difícil seguir todo um processo de pedido de patente. Isso faz com que, às vezes, se percam oportunidades. O grupo de crescimento de diamante, de lubrificantes sólidos, tem muitas patentes. Como muitas vezes as pesquisas não são feitas somente no INPE, a patente é colocada através de outra instituição, como a Unicamp, que tem pesquisadores associados, que trabalham em cooperação com os grupos da CTE. Além dessas publicações e patentes, outra meta da CTE é a formação de recursos humanos, em mestrado e doutorado, da ordem de 30 alunos por ano.

- Nessas quatro áreas?

Edson Del Bosco – Isso, nessas quatro áreas.

- São quantos programas de pós-graduação?

Edson Del Bosco – São três. Sensores e Materiais; Computação e Matemática Aplicada; e Combustão, em Cachoeira Paulista. Só o Plasma não tem um programa específico, mas utiliza bastante a infraestrutura de Materiais. Muitos alunos e professores ficam associados à pós-graduação de Materiais. Essas três áreas têm muita procura, têm processo seletivo e formam-se pessoas bastante competentes.

- A busca por esses cursos é motivada pela vertente espacial?

Edson Del Bosco – Não só por isso. Por exemplo, na área de computação já houve picos maiores de procura por uma necessidade do setor produtivo. A indústria contratava esse pessoal da área de informática que não tinha uma formação tão boa, mas que procurava se capacitar nos cursos de pós-graduação de instituições como o INPE. Com isso recebemos muita gente da indústria localizada na nossa região, para fazer mestrado e doutorado. Esse pessoal não tinha foco na área espacial.

Também tem procura por causa da área espacial. Não é regra. A escolha principal é pela formação, pela qualidade da pós-graduação do INPE, às vezes também por falta de outra opção na região, embora hoje já existam mais opções que absorvem esse pessoal. A procura continua grande, mas já foi maior. Ainda tem seleção, o que é bom, pois há mais candidatos do que bolsas CAPES e CNPq disponíveis.

“ Nós temos um bom
nível de orçamento.
(...) Não temos do que
reclamar. Temos uma
capacidade muito grande
de conseguir recursos
externos. ”

- Em relação aos recursos, como está o nível orçamentário da CTE? Os recursos têm sido adequados? Qual é a expectativa para os atuais planos Diretor e PPA?

Edson Del Bosco – Nós temos um bom nível de orçamento. Temos o mesmo patamar de recursos, por exemplo, que a CEA no PPA 2016-2019. Claro que não temos o mesmo nível que a Engenharia (ETE), que tem grande volume de recursos por causa dos desenvolvimentos de satélites.

Estamos numa faixa de R$ 4 a 5 milhões, sem cortes. Não temos do que reclamar. Temos uma capacidade muito grande de conseguir recursos externos. Estes não chegam a dobrar os recursos da União, mas já tivemos ano que isso aconteceu. Tivemos recursos maiores do que o do orçamento da União. Isso por causa de recursos que vêm através da FINEP, a partir de chamadas para infraestrutura e, com isso, conseguimos obter bastante recursos, que dobram o nosso orçamento. Mas a composição do orçamento da CTE é muito diferente da Engenharia (ETE), por exemplo, que tem grande montante de recursos governamentais para desenvolver satélites, a PMM, etc.


Somos, com certeza, um dos maiores tomadores de recursos para projetos individuais, temáticos, bolsas de pós-graduação, de pós-doutorado, viagens para o exterior etc. Tudo isso é contabilizado como "recursos externos". O governo não tem mais autorizado o pagamento de passagens e diárias para a participação de servidores em congressos e outros eventos científicos, prejudicando bastante o desenvolvimento da pesquisa. Infelizmente, esses recursos vêm sendo cortados sem muito critério.

Essa situação nos obriga a buscar recursos extra orçamentários, principalmente, da FAPESP, mas também do CNPq e da CAPES. Fazemos para essas três agências pedidos contínuos, mas também temos recursos da FINEP, que costuma lançar chamadas de infraestrutura.

- O PROPSAT é um desses projetos financiado pela FINEP?

Edson Del Bosco – Isso, com R$ 14 milhões para atualização dos bancos de testes do Laboratório de Combustão e Propulsão (LCP), em Cachoeira Paulista (veja mais sobre esse assunto aqui).

Eventualmente os recursos são aprovados, mas não chegam, ficamos na espera, como agora, que há uma previsão de chegar R$ 7 milhões, que é parte desse montante. Mas isso é a nossa sobrevivência. Apesar de que, repito, o orçamento que vem do Tesouro da União, do PPA, não é pequeno. Infelizmente, para os recursos do Tesouro, a dificuldade é a execução orçamentária. Creio que essa dificuldade é encontrada também por outras

- E os grandes programas de pesquisa que estão dentro da CTE, como o Tokamak, quantos são e em que situação se encontram?

Edson Del Bosco – Tem dois projetos que se destacam. O primeiro deles é da área de fusão nuclear. Começamos a fazer pesquisa de fusão nuclear dentro do Laboratório Associado de Plasma. Por que? À época as pesquisas em fusão no mundo estavam se desenvolvendo num ritmo acelerado e o Brasil, por demanda do Ministério de Minas e Energia, decidiu investir nesta área com recursos da esfera federal, pois havia pesquisas no âmbito dos Estados, principalmente na USP e UINCAMP.

- Quando foi isso? Anos 80?

Edson Del Bosco – Isso, anos 80. O ministro na época, César Cals (1979-1985) e outros de Minas e Energia diziam que o país deveria acompanhar o desenvolvimento mundial nessa área e que teríamos que fazer pesquisa em fusão nuclear. É interessante lembrar que fusão nuclear é o processo inverso da já conhecida fissão nuclear. A fissão "quebra", fissiona átomos pesados liberando energia neste processo, enquanto a fusão nuclear "junta", funde átomos leves liberando energia. É o que o Sol faz. O Sol é uma grande usina de energia de fusão nuclear.

O INPE era o único órgão da esfera federal que tinha competência naquela época, com condições de fazer pesquisa em fusão nuclear, porque trabalhava com plasma. Essa demanda do governo acabou chegando ao INPE com o objetivo de se montar um grupo específico para trabalhar na fusão nuclear. O nome Tokamak foi cunhado pelos cientistas da antiga União Soviética, para designar uma máquina de geometria toroidal que utiliza campos eletromagnéticos intensos para criar e confinar plasmas de altíssimas temperaturas.

Edson Del Bosco, coordenador da CTE: o Tokamak será transferido
para a CNEN,  onde será construído o Laboratório Nacional de Plasma.

O INPE assumiu essa incumbência e começou as atividades na área. Na época, o diretor do INPE era o Marcio Barbosa (1989-2001), que apoiou a iniciativa. Desde o início dos anos 1980 já se sabia que esse grupo iria fazer a máquina, desenvolver a pesquisa e, por fim, sairia um dia do INPE. Seria transferido para um órgão com a competência de dar continuidade às pesquisas nesta área. Essa era a missão. Já sabíamos, também, que essa instituição seria a CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear). Esse grupo do INPE migraria um dia para lá.

De qualquer maneira, esse grupo pequeno dentro do Laboratório de Plasma começou as pesquisas na área de fusão, criou um experimento de médio porte, com uma geometria inovadora no mundo, naquela época. Infelizmente, nós temos o problema do "timing" para levar adiante os projetos de porte, que, em outros lugares no mundo, é outro. Os países mais avançados quando percebem algo importante que ainda não investiram, montam rapidamente a infraestrutura necessária e ficam sendo os pioneiros na área.

Eu mesmo já viajei para trabalhar no exterior em um Tokamak porque os ingleses viram a ideia do nosso numa conferência aqui no Rio de Janeiro, no final dos anos 1980. Eles perceberam que era algo importante e, em um ano, montaram o projeto lá. Eu fui trabalhar na Inglaterra no projeto START, que foi pioneiro nas pesquisas em fusão utilizando geometrias toroidais compactas. O nosso experimento só entrou em operação dez anos depois.

Mas essa máquina progrediu, tem o nome de ETE – Experimento Tokamak Esférico. Está hoje operacional, mas com uma equipe muito reduzida. No período de montagem chegou a ter uma equipe com 15 pessoas trabalhando no projeto, entre servidores, bolsistas e alunos. No início, a CNEN, que era o órgão que deveria receber esse grupo, não se mostrava disposta a abrir espaço a essa área. Isso era regra geral, todos os grupos de pesquisa que trabalhavam com fissão nuclear eram contra as pesquisas em fusão nuclear, por considerá-la uma concorrente. Achavam que estavam bem com a fissão nuclear, porque iriam adotar outra linha de pesquisa para dividir orçamento? De certo modo, o mundo inteiro pensava e agia assim.

Isso mudou porque a pesquisa em fusão cresceu muito, ficou robusta. Percebeu-se que a fusão nuclear era viável, enquanto, por outro lado, a fissão recebia críticas da sociedade. Aconteceram acidentes em usinas de fissão que provocaram contaminação e isso criou uma antipatia com essa tecnologia. Hoje esses órgãos querem atuar na área de fusão nuclear. E não foi diferente no Brasil. A CNEN se interessou pelo grupo e, recentemente, foi assinado o termo de cooperação científica entre o INPE e a CNEN, no qual o objeto é a operação desse laboratório de fusão, que hoje já tem um nome: Laboratório de Fusão Nuclear, e que será transferido para a CNEN daqui a alguns anos.

“ Foi uma ótima
solução [a
transferência d
 Experimento Tokamak
Esférico para a CNEN],
porque vai utilizar toda
infraestrutura que será
construída para o RMB
[Reator Multipropósito
Brasileiro]. São áreas
correlatas de pesquisa (...)”

A proposta é muito interessante. Inicialmente o Laboratório seria construído numa área do INPE, em Cachoeira Paulista. Mas quando a CNEN se interessou, a instituição propôs um local melhor, uma área na cidade de Iperó, perto de Sorocaba, onde a Marinha do Brasil já desenvolve pesquisas na área nuclear. A Marinha cedeu à CNEN um terreno para construir o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB). O IPEN (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), vinculado à CNEN, instituto responsável pelo desenvolvimento dessa atividade, disponibilizou uma área junto ao empreendimento do RMB para construção do Laboratório de Fusão Nuclear.

Foi uma ótima solução, porque vai utilizar toda infraestrutura que será construída para o RMB. São áreas correlatas de pesquisa e uma das vantagens da transferência do Tokamak para lá é que já existe uma licença ambiental aprovada para atividades na área nuclear. Também, já existe recursos da FINEP para desenvolver o projeto executivo do Laboratório de Fusão Nuclear, que por sinal está em andamento.

No entanto, o número de pesquisadores aqui no INPE nessa área de fusão diminuiu muito. Hoje são apenas dois servidores que se dedicam às pesquisas em fusão. Infelizmente, é muito pouco, mas o projeto continua aqui no INPE. O convênio é de cinco anos e esperamos que nesse período o Laboratório de Fusão Nuclear avance. Com a transferência para Iperó, a pesquisa voltará a crescer, porque está se ampliando no mundo.

- O Tokamak era um dos grandes projetos, qual é o outro da CTE?

Edson Del Bosco – É a missão ASTER, que prevê o lançamento de um satélite de pequeno porte, que está mencionado no Plano Diretor. É uma proposta de pesquisadores do LAC – Laboratório Associado de Computação e Matemática Aplicada. Pode soar estranho porque não é uma proposta da Engenharia (ETE), nem de grupos mais focados em tecnologias da CTE, mas proposto por lideranças científicas do LAC, mais especificamente pelos pesquisadores Haroldo de Campos Velho e Elbert Macau.

É uma cooperação internacional com a Rússia
[a Missão ASTER], com o objetivo de
desenvolver um satélite para explorar um sistema de
asteroide multi-corpos. É, portanto, uma missão
voltada ao espaço profundo, área que o INP
 ainda não atua... ”

É uma cooperação internacional com a Rússia, com o objetivo de desenvolver um satélite para explorar um sistema de asteroide multi-corpos. É, portanto, uma missão voltada ao espaço profundo, área que o INPE ainda não atua, mas seria uma oportunidade para se testar tecnologias. Os russos têm muita competência no assunto e se propuseram a cooperar com o Brasil, em desenvolver determinados equipamentos e tecnologias, como a propulsão iônica e depois, claro, teremos a participação nos resultados científicos e tecnológicos.

Esse satélite seria integrado e testado aqui no INPE. É uma cooperação que está em andamento. A AEB (Agência Espacial Brasileira) apoia, acha interessante, e o custo não é tão elevado. A Engenharia (ETE) do INPE, claro, teria grandes desafios para levar adiante este projeto, já que está sobrecarregada com as atividades do programa espacial brasileiro, relacionadas ao CBERS, a PMM e EQUARS. Não teria, em princípio, pessoal para trabalhar em outra missão.

O projeto teria que ter recursos extra orçamentários. Teriam que vir de fora. É missão dos responsáveis por esse projeto obter esses recursos, através da FINEP, FAPESP ou outras instituições. Já há interesse de diversas universidades do país em participar do projeto.

O ASTER está na fase de proposta, discussão e tem grande chance de dar certo, mas pode também, em um determinado momento, se concluir que não será possível seguir adiante. Hoje tem apoio, inclusive do INPE, desde que não comprometa o orçamento da instituição, com os projetos já estabelecidos.

- O fato desse projeto ter sido proposto pelo LAC, o satélite teria alguma aplicação nessa área? Ou o projeto está sendo proposto por este laboratório por causa da liderança científica destes pesquisadores?

Edson Del Bosco – É pela liderança científica, mas o Elbert também trabalha na área de órbitas, movimentação de satélite no espaço, etc. Eles têm interesses científicos. Ao mesmo tempo, eles possuem liderança para arregimentar pessoas competentes em cada área. Eles gostaram da ideia, mas não que tenham competência técnica para desenvolver algo específico neste satélite. O interesse maior é pelos resultados na área científica.

- Mas também teria o envolvimento do grupo de plasma para desenvolver o propulsor?

Edson Del Bosco – Isso, uma das propostas é desenvolver aqui os propulsores, o que não seria algo trivial.

- Há mais algum assunto que gostaria de destacar?

Edson Del Bosco – Gostaria de destacar que atuamos como "formiguinhas", com muita pesquisa relevante nas quatro áreas que já mencionei. São inúmeros projetos, muitos deles em cooperação com universidades, com o DCTA, com o Parque Tecnológico e com a Unifesp, entre outras instituições. Nós não temos um grande projeto que nos diga 'essa é a nossa pesquisa que entregamos para à sociedade'. Nós trabalhamos em muitos pequenos e médios projetos. Essa é forma que achamos interessante e eficaz de colaborar com a atividade espacial e atuar em benefício do país.


Fonte: Informativo do INPE - Número 07 - 31/08/2016

Comentário: Boa, boa, muito boa matéria mesmo esta do INPE trazendo informações sobre o que está sendo realizado nestes Laboratórios Associados do instituto que ficam localizados em Cachoeira Paulista-SP. Laboratórios estes não tão conhecidos do publico em geral como o LIT de São José dos Campos-SP, mas que prestam grandes serviços na área de Tecnologias Críticas para o Programa Espacial do país. O Blog BRAZILIAN SPACE parabeniza o INPE e ao Dr. Edson del Bosco por trazer a tona essas fantásticas e esperançosas informações a Sociedade Brasileira, especialmente neste momento tão difícil de caos que o PEB esta atravessando.

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