Não é Recomendável Que o INPE Seja “Organização Social” (OS), Diz Galvão

Olá leitor!

Segue abaixo uma entrevista com o novo diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Dr. Ricardo Galvão, realizada quando da reunião dos membros da diretoria do SindCT e postada na edição de outubro do ”Jornal do SindCT“.

Duda Falcão

CIÊNCIA E TECNOLOGIA

NOVO DIRETOR RECEBE DIRETORIA DO SINDCT E CONCEDE ENTREVISTA EXCLUSIVA

Não é Recomendável Que o INPE Seja
“Organização Social” (OS), Diz Galvão

“Estamos trabalhando para lançar o CBERS-4A em dezembro de 2018. Não será fácil,
estamos tomando medidas para conseguir”, garante Ricardo Galvão, desde 26/9
no cargo. Para ele, foco do instituto devem ser os satélites de pesquisa científica

Shirley Marciano
Jornal do SindCT
Edição nº 51
Outubro de 2016

Foto: Fernanda Soares
Ricardo Galvão, novo diretor do INPE.

O novo diretor do INPE, Ricardo Galvão, que tomou posse no dia 26 de setembro, tem grandes desafios pela frente, a começar pelo cumprimento dos cronogramas dos satélites Amazônia-1 e CBERS-4A apesar do reduzido contingente de recursos humanos. “Não será fácil, mas estamos tomando medidas para conseguir”, garante Galvão, que chegou ao cargo após um processo sucessório permeado de controvérsias, relatado nas edições anteriores do Jornal do SindCT. No dia 19/10, ele se reuniu com a diretoria do SindCT, que lhe apresentou as preocupações e reivindicações das trabalhadoras e trabalhadores da base.

Nos últimos anos, o INPE vem sofrendo investidas de setores do governo e de interesses privados com a finalidade de mudar a sua governança, inclusive para transformar o instituto em uma “organização social” (OS). O novo diretor deixou claro que considera inadequado esse modelo para o INPE. No entanto, contraditoriamente, não descarta sua adoção para o Laboratório de Integração e Testes (LIT) e para a Coordenação de Observação da Terra (OBT), ainda que somente para a área de serviços (leia no Editorial, na p.2, a opinião da Diretoria do SindCT sobre essa questão).

No entender de Galvão, o INPE não deve ser uma fábrica de satélites porque sua missão é atuar onde exista o desafio tecnológico. Caberia às empresas atender às necessidades de serviços de satélite do governo, e ao INPE, criar suas próprias demandas de pesquisa. A situação das empresas, avalia, é um assunto do qual o INPE não participa: “Se o governo não tiver um programa consistente de demandas, nem as próprias empresas vão sobreviver, mas esse é um problema deles, porque depende do governo”. A seguir, a entrevista exclusiva concedida pelo novo diretor ao Jornal do SindCT.

Que o sr. Pretende fazer com relação ao problema de falta de reposição de servidores no
INPE?

Ricardo Galvão. A solução da reposição não está na minha caneta. O diretor de uma instituição não tem sob sua governança essa questão. No entanto, tem uma informação interessante que pode colaborar na solução desse problema. Os diretores das unidades de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) criaram um fórum permanente, e estamos trabalhando para, de certa forma, apoiar o ministro para ter um pleito mais eficaz com relação ao problema da falta de servidores nas unidades de pesquisa. Minha grande preocupação hoje é a falta de pessoal administrativo, porque sem essa base não funciona. A atividade-fim tem também necessidade de contratação de novos servidores, mas é possível — embora não seja uma solução definitiva — conseguirmos por meio de bolsas, doutores visitantes e outros.

Há comentários de que o INPE teria perdido um pouco a credibilidade em razão de atrasos de cronograma. Concorda com essas opiniões?

RG. Não concordo que tenha perdido credibilidade. Tive uma reunião recente com o pessoal da Agência Espacial Brasileira (AEB) e todos disseram que os atrasos foram por questões que fugiam ao controle do INPE. São processos ligados às consultorias jurídicas ou a casos técnicos muito específicos, como de aquisição de subsistemas das empresas, exemplo ocorrido com a câmera do satélite Amazônia-1. Então são questões conjunturais.

Um outro problema que pode ter causado algum atraso é a falta de pessoal. No meu ponto de vista, o INPE assumiu compromissos com o Amazônia-1 e com os CBERS que eu não teria concordado se estivesse nessa época como diretor. Digo isso porque não havia um quadro de servidores suficiente naquela época. A despeito disso, os dois coordenadores desses projetos estão fazendo um trabalho enorme, e o INPE conseguiu progredir um pouco.

Talvez, ao invés de uma falta de credibilidade, exista um desapontamento por não ter saído como o planejado. Mas nós estamos trabalhando para lançar o CBERS-4A em dezembro de 2018. Não será fácil, mas estamos tomando medidas bastante difíceis para conseguir.

“Não acho que o
INPE tenha que se
tornar uma fábrica de
satélites para o resto
da vida, pois é um
instituto de pesquisas
espaciais. Ele tem que
ter o seu projeto de
longo prazo”

Que acha da empresa Visiona, criada para aquisição do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC)?

RG. Com relação à Visiona, eu não analisei ainda com muitos detalhes essa empresa e outras que estão surgindo, como a proposta da Alada para o DCTA. Mas não acho que o INPE tenha que se tornar uma fábrica de satélites para o resto da vida, pois é um instituto de pesquisas espaciais. Então, ele tem que ter o seu projeto, a sua visão de longo prazo, e a definição dos satélites que se quer desenvolver. Além disso, o foco tem que ser em satélites de pesquisa científica.

Se o governo decide, por exemplo, que o Brasil vai precisar do serviço de satélite de coleta de dados — agora tem essa ideia de fazer um conjunto de microssatélites de 100 quilos — não tem sentido o INPE ficar fazendo “cem” satélites. O nosso instituto tem interesse em desenvolver enquanto tiver o desafio tecnológico. A necessidade que o País tem de satélite é muito maior do que o INPE pode prover. É claro que se a AEB pedir que o INPE trabalhe em um outro satélite vamos fazê-lo sem problema, desde que tenha pessoal. Por essas razões, eu não sou contrário à criação de empresas que atendam a essas demandas.

Temos que lembrar que todo o programa espacial americano foi desenvolvido por muitas empresas, e tudo com encomenda do governo. Somente nos últimos dez anos é que foram surgindo novas empresas, que têm o seu próprio programa espacial com recursos privados. Então, se o governo [brasileiro] não tiver um programa consistente de demandas nem as próprias empresas vão sobreviver, mas esse é um problema um pouco deles porque isso depende do governo.

Qual a opinião do sr. a respeito de tornar o INPE uma “organização social”?

RG. Por ser uma instituição de pesquisa, acredito que uma organização social não é o modelo adequado, embora tenha alguns exemplos de sucesso como o Instituto de Matemática Pura Aplicada (IMPA) no Rio de Janeiro. Mas para o INPE eu não acho que seja necessário e nem é recomendável esse modelo. Os grandes desenvolvimentos dos países, como os da Europa e EUA — que eu tenho mais experiência porque trabalhei nesses lugares — se baseiam em grandes laboratórios nacionais, e o maior laboratório de física do mundo, a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN, sigla em inglês), por exemplo, não é uma OS. São utilizados recursos do governo.

As estruturas dos laboratórios do Brasil não estão boas. No MCTIC, tem várias unidades de pesquisas criadas sem uma orientação temática muito clara. Então isso tem que ser melhorado. Para mim, as instituições de pesquisa do governo têm que ser grandes laboratórios sob sua gestão.

Que pensa para o Laboratório de Integração e Testes (LIT)?

RG. No caso específico do LIT e da Coordenação de Observação da Terra (OBT), que têm uma demanda grande de serviços que podem ser oferecidos à sociedade — para a indústria privada, no caso — poderiam ser colocados sob a gestão de uma OS, mas somente nessa parte de serviços. Teria que executar e receber os recursos para serem aplicados no próprio INPE para a contratação de pessoal. Mas é só uma ideia, por enquanto. Não há nada definido ainda porque o novo Marco da Ciência e Tecnologia permite flexibilizações, como prestações de serviço, recebimento de recursos e ter prestadores de serviço trabalhando. Por essa razão, ainda vou analisar melhor. Vou estudar mais a fundo o Marco Legal. Se eu me convencer que ele atende às necessidades, não mudaremos.

Foto: Lucas Lacaz
Opção ecológica para o deslocamento diário.

O sr. acredita que o Programa Espacial Brasileiro passa por um problema de governança?

RG. Eu não posso afirmar que tenha um problema de governança. Eu diria que hoje a estrutura do programa não está estabelecida de forma satisfatória. O próprio INPE, ao longo de sua história, criou algumas coordenações que talvez não fossem necessárias. Mas esse problema ocorre nas universidades e em diversos institutos no Brasil. Criam-se coordenações e departamentos não para atender de uma maneira otimizada as missões que aquela instituição tem que desenvolver, mas para atender egos pessoais de pesquisadores muito importantes. Isto é tipicamente brasileiro.

O INPE tem que aprender a trabalhar no que chamamos de forma matricial, que é basicamente assim: tem as coordenações, e então vem os projetos. Assim, convoca os especialistas das coordenações que atendem àquele projeto, mas por um tempo limitado.

Existe um indicador muito interessante chamado Índice de Individualidade. Ele mostra o quanto um país tem de tendência a trabalhar de uma forma individual ou coletiva na área de pesquisa, principalmente. No eixo horizontal são as realizações. O Brasil e os países da América Latina têm um alto índice de individualidade, mas estão muito próximos do eixo horizontal. Eles não têm grandes realizações de impacto.

A Finlândia, o Japão e a Coreia, por exemplo, que possuem realizações de impacto, têm um baixo nível de individualidade. São muito mais acostumados a trabalhar em grupo. Na verdade, todos nós gostamos de ser um grande peixe num lago pequeno e um peixe pequeno num lago grande.

O sr. tem declarado que pretende revisar o Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE). O que pretende mudar?

RG. O PNAE tem que dizer que tem objetivo a longo prazo. Ou seja: o que nós queremos daqui a 30 anos? O que queremos atingir dentro do Programa Espacial Brasileiro (PEB)? Temos que nos perguntar: vamos fazer somente satélite prestadores de serviços? Temos o objetivo de missões espaciais em espaços profundos, como Índia e China? Os satélites científicos, por exemplo, podem não ter muita importância para aplicações imediatas, mas servem para orientar o desenvolvimento, e isso é muito importante. Na minha opinião, esse é um dos itens que está faltando no PNAE.

Toda meta tem que ter a linha que se quer atingir. Além disso, ao longo do tempo, tem que haver um sistema que faz amostragem de como aquilo está caminhando, para medir, por exemplo, a necessidade ou não de um replanejamento, de mais recursos etc. Isso o governo brasileiro faz muito mal, porque não realiza revisão periódica. Isso atrapalha o nosso processo de desenvolvimento.

Vou ser bem claro: todos querem que seja um programa espacial de Estado e não de governo. No entanto, para fazer isso, é necessário que a sociedade tenha um entendimento de que é realmente um projeto prioritário, e isso envolve a todos. Nenhum político reage se a sociedade não manifestar uma consciência de que um determinado projeto é importante e merece ser investido.

Nesse século, as tecnologias mais importantes são: biotecnologia, nanotecnologia, tecnologias espaciais e energética. Os países que não conseguirem se desenvolver nessa direção ficarão para trás. O governo precisa entender isso.


Fonte: Jornal do SindCT - Edição 51ª – Outubro de 2016

Comentários

  1. O grande problema do INPE é o grande problema da máquina federal: pessoal com estabilidade no emprego e que faz o que quer, no ritmo que bem quer e nada pode ser feito. Há muito que toda a estrutura de governança do PEB já deveria ter sido mudado e se criado uma Agência Espacial Brasileira, de fato, que fosse a única responsável e não apenas coordenadora de programas, muitas vezes, apenas suplementares ao desenvolvido pelo INPE e pelo DCTA. É cada um por si e assim, ninguém tem força. Para que toda aquela estrutura física e de pessoal em Brasília? Se os recursos geridos pela AEB fossem em São José dos Campos, sem esta divisão de tarefas, mas com a soma de esforços, com certeza se teria uma agência espacial de fato. Mas o pessoal do INPE, com as atuais regalias e poder, não permite. E o SindCT tem grande interesse nesta desídia.

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  2. Bernardino tem toda razão. Venho falando isso aqui no Blog faz tempo. Mas as autoridades nunca tocam no verdadeiro problema, só falam em mais verbas e mais funcionários..

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